É com enorme orgulho que transcrevo um texto que me foi dedicado por Klatuu . Por achar que essa honra é extensiva a todos os COMANDOS, quero dedicar essa honra a todos os COMANDOS caídos em combate representando a nossa pátria.
Este texto apesar de não se referir explicitamente aos COMANDOS, enaltece o espírito e a alma COMANDO.
MAMA SUME!
OS GUERREIROS
_Dedicado ao Nitrox.
_Rio Cacheu, foto de Manuel Lema Santos
Rio Cacheu, Guiné Portuguesa, década de 60.
O guerreiro chegou à margem parda do rio, subiu ao tronco seco de um imbondeiro tombado, cujo extremo de ramos mortos ficava um metro adentro sobre as águas, ergueu o braço e começou a agitar a azagaia. Da ponte do Aviso de 2ª Classe da Armada Portuguesa, o oficial de quarto avistou-o e mandou chamar o Imediato, que observou atentamente a margem, onde, agora, mais cinco guerreiros agitavam também as azagaias por baixo do negro empoleirado que agitava a sua.
– Macacos me mordam, Tenente, se percebo o que se está ali a passar!
– Serão turras, meu Imediato?
– Qual turras, homem! Aquilo são pretos do mato, que vivem num país só deles…
Mandaram chamar o Primeiro-Sargento de máquinas, que já estava há seis anos na Guiné. Passaram-lhe os binóculos.
– São Felupes, meu Imediato.
– Felupes?! Mas o que é que esses gajos andam a fazer por aqui?
– Meu Imediato, olhe para junto dos pés dos cinco que estão embaixo… julgo estar a ver uma farda do Exército!
O Imediato assim fez, focou melhor os binóculos e não teve dúvidas: no chão estava uma espécie de padiola improvisada, por entre as folhas, podia-se ver um corpo de camuflado. O navio fundeou, apontaram para lá uma peça anti-aérea e lançaram o escaler com 10 homens armados de FBP, não fosse o Diabo tecê-las, até porque, segundo dizia o sargento, aquela era uma tribo dura de roer, ainda com rituais de antropofagia, de quem nem os outros pretos se aproximavam.
Chegados ao local, nenhum dos negros falava Português, mas o Sargento-Enfermeiro pôde confirmar que se tratava do cadáver de um militar do Exército, com ferimentos de bala na barriga e numa perna, somente o negro que descera do tronco atravessado do imbondeiro, homem alto e seco, adornado de plumas nos antebraços e nas pernas e que parecia chefiar os outros, conseguia articular algumas palavras soltas, apontava com a azagaia o corpo caído e repetia sempre as mesmas palavras: «branco valente, branco valente».
Esta é uma história que ficará para sempre guardada no coração insondável, generoso e mistérico de África. As circunstâncias da morte daquele soldado nunca ninguém viria a saber ao certo, nem como o encontraram os seis guerreiros Felupes. Avessos às povoações, carregaram-no durante muitos quilómetros ao rio que era percorrido pelos navios dos brancos. Decerto carregaram-no ainda com vida e mesmo depois de morto continuaram, numa obrigação incompreensível que unicamente habita a alma daqueles que já nasceram guerreiros e guerreiros morrerão.
O navio começou afastar-se, não sem lhes terem deixado uma saca de arroz e outra de feijão, tardaria pouco mais que meia hora para o poente e descia pela aragem o véu místico do fim do dia africano, que tudo confunde, a vegetação e a água, os vivos e os mortos, a terra e o céu. O navio afastava-se, mas o oficial de quarto, até que a escuridão velasse a distância, continuou a ver na margem do Rio Cacheu, junto ao cais improvisado de uma quinta abandonada, os seis guerreiros Felupes, virados para si, de azagaias erguidas.
K.N.
_Rio Cacheu, foto de Manuel Lema Santos
Rio Cacheu, Guiné Portuguesa, década de 60.
O guerreiro chegou à margem parda do rio, subiu ao tronco seco de um imbondeiro tombado, cujo extremo de ramos mortos ficava um metro adentro sobre as águas, ergueu o braço e começou a agitar a azagaia. Da ponte do Aviso de 2ª Classe da Armada Portuguesa, o oficial de quarto avistou-o e mandou chamar o Imediato, que observou atentamente a margem, onde, agora, mais cinco guerreiros agitavam também as azagaias por baixo do negro empoleirado que agitava a sua.
– Macacos me mordam, Tenente, se percebo o que se está ali a passar!
– Serão turras, meu Imediato?
– Qual turras, homem! Aquilo são pretos do mato, que vivem num país só deles…
Mandaram chamar o Primeiro-Sargento de máquinas, que já estava há seis anos na Guiné. Passaram-lhe os binóculos.
– São Felupes, meu Imediato.
– Felupes?! Mas o que é que esses gajos andam a fazer por aqui?
– Meu Imediato, olhe para junto dos pés dos cinco que estão embaixo… julgo estar a ver uma farda do Exército!
O Imediato assim fez, focou melhor os binóculos e não teve dúvidas: no chão estava uma espécie de padiola improvisada, por entre as folhas, podia-se ver um corpo de camuflado. O navio fundeou, apontaram para lá uma peça anti-aérea e lançaram o escaler com 10 homens armados de FBP, não fosse o Diabo tecê-las, até porque, segundo dizia o sargento, aquela era uma tribo dura de roer, ainda com rituais de antropofagia, de quem nem os outros pretos se aproximavam.
Chegados ao local, nenhum dos negros falava Português, mas o Sargento-Enfermeiro pôde confirmar que se tratava do cadáver de um militar do Exército, com ferimentos de bala na barriga e numa perna, somente o negro que descera do tronco atravessado do imbondeiro, homem alto e seco, adornado de plumas nos antebraços e nas pernas e que parecia chefiar os outros, conseguia articular algumas palavras soltas, apontava com a azagaia o corpo caído e repetia sempre as mesmas palavras: «branco valente, branco valente».
Esta é uma história que ficará para sempre guardada no coração insondável, generoso e mistérico de África. As circunstâncias da morte daquele soldado nunca ninguém viria a saber ao certo, nem como o encontraram os seis guerreiros Felupes. Avessos às povoações, carregaram-no durante muitos quilómetros ao rio que era percorrido pelos navios dos brancos. Decerto carregaram-no ainda com vida e mesmo depois de morto continuaram, numa obrigação incompreensível que unicamente habita a alma daqueles que já nasceram guerreiros e guerreiros morrerão.
O navio começou afastar-se, não sem lhes terem deixado uma saca de arroz e outra de feijão, tardaria pouco mais que meia hora para o poente e descia pela aragem o véu místico do fim do dia africano, que tudo confunde, a vegetação e a água, os vivos e os mortos, a terra e o céu. O navio afastava-se, mas o oficial de quarto, até que a escuridão velasse a distância, continuou a ver na margem do Rio Cacheu, junto ao cais improvisado de uma quinta abandonada, os seis guerreiros Felupes, virados para si, de azagaias erguidas.
K.N.
2 comentários:
NITROX É DELTA 1 K CHAMA - EXP.
Muito obrigado, meu caro amigo, pela honra que me foi concedida!
Muito sentido fico.
Abraço! E obrigado pela estima e pela inteligência!
P. S. Conto também publicar, na altura propícia, este relato no blogue Nova Águia, bem como um outro sobre as Campanhas de Oio e o desaire de Graça Falcão.
Enviar um comentário